Capítulo Um - Dandara Majo

 


Capítulo 1 – Dandara Majo

    Quando eu tinha acordado, sentia uma tensa dor de cabeça, mal conseguia abrir os olhos tamanha enxaqueca. A visão turva mostrava meus próprios pés.

    “Estou sentada em uma cadeira?” “Onde estou?”

    Levantei a cabeça que parecia pesar toneladas. Então, quando foquei, lá estava ele, sentado à minha frente. O homem de cabelos brancos e olhos enfaixados. Estava vestido com roupas escuras, como da última vez. As mãos nos bolsos e as longas pernas cruzadas. Ele tinha um tipo de tranquilidade perturbadora, mas aquele maldito sorriso presunçoso. Aquilo me assustava.

    — Bom dia! — ele disse. — Está mais calma agora?

    Tomada por um súbito desespero, tentei fugir dali. Mas mal pude me mover, estava com os braços e as pernas amarrados a cadeira com uma corda robusta. Olhei em volta, o lugar era um cômodo vazio e Iluminado por lanternas amareladas. As paredes repletas de tiras de papel com símbolos gravados.

    “Selos!” 

    —Não teria tanta pressa se fosse você, Dandara Majo! — gesticulou. — Afinal, a sua execução secreta foi decretada. — o sorriso ficou maior. —  É por isso que estou aqui! — ele exclamou.

    — VOCÊ?! — exclamei de volta. — Mas quem diabos é você?

    — Meu nome é Satoru Gojo. Sou professor responsável pelos calouros na escola técnica de Jujutsu em Tóquio. Algumas autoridades brasileiras pediram ajuda da escola para realizar a sua execução. Tem causado problemas por aqui, mocinha?

    “Autoridades me querem morta!?” A respiração tinha acelerado outra vez. “Como diabos eu me meti nessa enrascada?” 

    Naquela época, eu atendia como Dandara Majo. Carregava esse nome fazia alguns anos. Sabe como é?! Problemas familiares, financeiros e com as autoridades nos obrigam a mudar. A diferença é que naquele momento eu era uma bruxa assumida. Com aquela identidade, eu podia ser. Aliás, trabalhava com isso. Era fácil encontrar alguns anúncios meus perdidos pelas redes sociais.

      Meu escritório ficava em um apartamento simples, alugado, em um prédio antigo no centro da capital de São Paulo. Não era o lugar mais confortável do mundo, mas servia para atender pessoas que tinham problemas com espíritos malignos. Os atendimentos aconteciam de segunda a sábado das 8 às 18 horas. E o apartamento ainda me servia como moradia pelo resto do tempo.

    Já passava das 18h quando consegui enfim atender minha última cliente. Eu já estava preparada para o ritual de exorcismo, quando Alex trouxe a cliente. Era uma garota de aproximadamente 15 anos. Ela tinha uma aparência humilde e estava evidentemente cansada por causa da viagem de quase 12 horas de ônibus da cidade dela.

    Muitas velas, flores e incensos davam um clima misterioso ao lugar, principalmente em cima do altar. Ela chorava ao se aproximar, contorcia os dedos em ansiedade e não levantou o rosto para me olhar nenhuma vez. Alex apertou os lábios e nos deixou a sós.

    — Qual é o seu nome? — perguntei.

    Ela respirou fundo, fungou, então respondeu.

    —Ni... Nicole.

    Nicole não sabia, mas uma criatura quase do tamanho dela se prendia em suas costas. Tinha diversos olhos na cara e um corpo longo. Os lábios grossos da criatura estavam grudados no pescoço da moça em uma sucção desenfreada. Era de se sentir nojo.

    Segurei a mão de Nicole. Com a outra mão, toquei em seu rosto e o levantei um pouco para que me olhasse nos olhos.

    — Vai ficar tudo bem — eu disse.

    Virei em direção ao altar e tomei o vinho de uma taça prateada. Aquilo parecia parte do ritual, mas a verdade era que eu precisava de uns goles para me motivar. Respirei fundo. Peguei a adaga que estava no altar e voltei para a moça. Com a mão direita segurei a adaga em direção ao meu abdômen com a ponta para cima, com a outra mão segurei as de Nicole. Então, fechei os meus olhos e fiz uma oração enquanto a menina chorava. A reza também parecia fazer parte do ritual. Mas, na realidade, eu usava esse momento para concentrar a energia do meu corpo e transferi-la para o punhal. Mas era bom, a oração acalmava e dava força ao cliente. Sempre funcionava.

    Ao final da breve oração, eu abri meus olhos, estiquei meu braço direito e penetrei a criatura com o punhal. A criatura soltou o pescoço da moça e grunhiu, depois soltou um suspiro longo. Movimentei meu braço com rapidez para a direita partindo-a ao meio. Assim, a criatura foi exorcizada, ela se desfez até desaparecer.

    Nicole parou de chorar imediatamente e me encarou com surpresa no olhar. Depois, um sorriso de alívio formou-se naquele rosto molhado de lágrimas. Ela tocou o pescoço e riu.

    — O peso... o peso se foi — ela disse e me abraçou.

    Esse tipo de reação não era novidade, mas sempre me emocionava um pouco. Eu até que sentia prazer em ajudar alguém. Mesmo que esse dom fosse amaldiçoado.

    —Muito obrigada! — ela disse.

    Esperei que ficasse mais calma. Agora as lágrimas eram de alegria.

     — Por nada, minha querida! — acariciei as costas dela. Quando me soltou, dei um lenço para que pudesse enxugar o rosto. — Alex! —chamei.

    Alex adentrou nas cortinas de miçangas negras e gentilmente levou a moça para o outro cômodo. Era ele que lidava com os pagamentos. Aceitávamos dinheiro, transferência, pix, crédito, débito e boleto.

    “Aaahhhh!” suspirei e endireitei as costas.

    Foi um dia muito cansativo, mas estava longe de acabar. Meu próximo cliente era em domicílio. Claro, porque além de pessoas, lugares também ficavam amaldiçoados. Quando se tratava de lugar, não tinha outra escolha se não ir até lá. Mas eu cobrava uma boa taxa por isso, então valia a pena. Além do mais, eu sofria de insônia. Dormir bem era uma coisa que não existia para mim, graças aos pesadelos. Então, para que descansar se eu podia trabalhar mais e ganhar mais dinheiro?

***

Capítulo Dois - Alex

Voltar



Comentários

Postar um comentário