Capítulo 6 - O Interrogatório
Então, lá estava eu, amarrada à cadeira em uma sala
iluminada por lanternas japonesas e milhares de selos cobrindo as paredes. Na
minha frente, estava o homem de olhos vendados sentado e tranquilo. Ele me
contava uma história absurda sobre a forma como nós dois nos encontramos, como
se eu tivesse esquecido.
— ... então, basicamente, você se jogou nos meus braços —
ele terminou com um sorriso.
Eu resmunguei antes de responder.
— Mentiroso! — eu disse, cheia de fúria. — Não foi nada
disso que aconteceu.
Ele pareceu sem graça.
— Ah, poxa! Eu me esforcei tanto com essa história.
Eu respirei profundamente.
— Você disse que seu nome é Satoru Gojo, não é mesmo? — ele
anuiu. — Pois bem, Satoru Gojo, por favor, diga logo onde estamos e o que quer
de mim?
— Essa é a sala para interrogatório e selamento. Ela é
praticamente nova, mas já tem cara de velha.
— Por que estou aqui?
— Eu já te falei, sua execução secreta foi decretada. Isso
era uma coisa para o seu próprio governo resolver. Mas, devido as dificuldades,
o feiticeiro mais forte e a escola de Jujutsu do Japão foram solicitados.
— Então, você está aqui para me matar? — perguntei, calma.
— Sim!
— E por que tinha que
ser você? — franzi as sobrancelhas.
— Basicamente, porque ninguém conseguiu fazer isso até agora!
“Não acredito no sorriso dele”.
— Mas eu ainda não estou morta — eu disse séria. — Então,
fala logo o que quer comigo.
— Foi complicado te encontrar no começo — ele disse. —, mas
não demorou para suas peripécias serem notadas. Aliás — pegou o celular no
bolso. —, achei interessante a sua propaganda nas redes sociais.
Eu ri sarcasticamente.
— Olha, tudo que eu tentei fazer, foi para ajudar as pessoas
a se livrarem dessas criaturas. Só isso! Tem sido tudo o que eu faço e que
tenho feito até agora.
— Faz isso em troca de dinheiro? — dessa vez ficou sério.
— Preciso sobreviver de alguma forma nesse mundo capitalista,
pô!
— Faz todo sentido! — guardou o celular no bolso. — Deve ter
aprendido tudo sozinha, não é mesmo?
Quando ele disse aquilo, eu pensei um pouco e reconheci que
não sabia muito sobre as minhas habilidades. Tudo que aprendi sobre elas foi
sozinha, sem alguém que me mostrasse algum caminho. A minha vida inteira
consegui cuidar de mim mesma, vivendo em um mundo hostil para mim de todas as
formas. Olhei para ele, torci meus lábios e concordei com um gesto.
Ele mostrou a arma.
— E isso aqui, hein? — perguntou.
Quando eu vi meu revólver, cheguei a ranger os dentes de tanta
fúria. Se não estivesse amarrada teria saltado para cima dele e tomado de
volta.
— Me devolve isso! — eu rosnei.
Gojo fez um biquinho curioso.
— Isso parece muito importante para você — sorriu. — Quero dizer, não apenas como instrumento de
trabalho.
Eu respirei fundo para me acalmar antes de responder.
— Essa arma pertenceu ao meu padrasto, é uma das poucas
coisas que tenho da minha antiga vida.
— Ele que deu para você?
— Não. Ele jamais daria isso para mim.
— Você roubou dele?
— Lógico que não! Hunf!
—...
— Eu peguei emprestado — respondi e virei o rosto para
desviar o olhar. — Ele só não sabia disso — voltei a encará-lo. — Ela é muito
mais útil comigo, não acha?
— Provável que seja — ele disse sério.
— Eu peguei na gaveta dele antes de sair de casa.
— Entendi...
— Olha, não sei quais são seus intensões comigo ou o porquê
de eu ainda estar viva. Mas já estou de saco cheio — respirei fundo. — Estou cansada
desse mundo nojento e injusto. Portanto, feiticeiro mais forte, corta essa sua
ladainha e faz logo o que deve ser feito! Vamos, me execute! — encarei séria. —
Não tenho mais nada a dizer.
— Nossa! — Ele finalmente pareceu um pouquinho assustado. — Você
é obscura! Achei que fosse só o visual.
— Aff!
— Fica calma! — ele riu, colocando a arma de volta no bolso.
— Eu vou explicar por que ainda não a executei, como as autoridades brasileira
e japonesas pediram.
— Então explica!
— Para começar, essas criaturas que você combate são, na
verdade, maldições.
— Eu sei que elas são amaldiçoadas.
— Não. Elas são literalmente espíritos amaldiçoados. No
Japão, o número de pessoas que morrem e desaparecem por causas misteriosas é,
no mínimo, de dez mil por ano. Isso é causado pelas maldições, que são seres
nascidos dos sentimentos negativos dos humanos.
— Elas nascem dos sentimentos negativos dos humanos?
— Sim. Quando a energia amaldiçoada vazadas das pessoas
comuns se acumulam, maldições são criadas. Por isso, lugares onde mais se criam
sentimentos ruins, mais maldições são criadas e mais fortes elas ficam. Lugares
como escolas e hospitais, por exemplo.
— Então, somos nós que criamos as maldições?
— No caso dos feiticeiros é diferente, temos controle sobre
a nossa energia, quase nada é liberado sem a consciência do feiticeiro.
— Entendo. Faz sentido, mas o que isso tem a ver comigo?
— Calma, deixa eu continuar a explicação. Aqui no Brasil
existe uma infestação de maldições, afinal é um território maior, com praticamente
o dobro de pessoas, com uma variedade de culturas e uma desigualdade social
gigantesca. Aqui, as maldições têm outro nível. O número de pessoas que são
afetadas por elas, que morrem ou desaparecem de causas misteriosas, triplica! É
algo que está fora de controle.
— Bem a cara do Brasil! — eu disse, mostrei um sorrisinho
sarcástico.
— Nós, feiticeiros Jujutsu, somos treinados para combater
essas maldições. Isso tem acontecido há mais de um milênio no Japão.
— Feiticeiros Jujutsu? Não, espera! Você disse treinados?
— Nossas técnicas amaldiçoadas são passadas de geração a
geração pelos principais clãs de Jujutsu no Japão, mas existem outras formas para
se tornar feiticeiro. Como indicação, por exemplo. É aí que você entra! —
apontou para mim enquanto mostrava um grande sorriso. — Você tem todo o
potencial para ser uma feiticeira Jujutsu. Por isso que não matei você.
— Você... — gaguejei. — Você, por um acaso, explicou para as
autoridades que tudo isso que tem acontecido não é culpa minha?
Ele riu alto.
— Eu bem que tentei, mas aqui é o Brasil. Eles querem alguém
para culpar. Parece que essa culpa caiu nas suas costas.
— Mas isso não é justo! — gritei.
— Não, não é. — ele disse, ainda sorrindo. — Mas ao
contactar a escola de Jujutsu para fazer esse trabalho, nos fez perceber como o
país está abandonado às suas próprias maldições. Isso não deveria ser um
problema nosso, mas essa informação deixou todo mundo preocupado. Não tem
ninguém aqui que lide especificamente com isso. Não há barreiras de proteção,
como as feitas pelo Tengen no Japão. Esse país é quase que uma bomba prestes a
explodir.
— O que? Mas quem é Tengen? O que são essas barreiras?
— Ah, essa é uma explicação complicada que prefiro deixar
para depois. O importante é que eu conversei com as pessoas envolvidas nessa
área e consegui convencê-las a criar uma sede da escola de Jujutsu aqui no
Brasil. Assim ensinaríamos pessoas como você a lidarem com esse tipo de
problema. Afinal, seria um desperdício matar alguém como você, não acha?
— Então... eu não serei executada? — franzi o cenho.
— Eu consegui que cancelassem sua execução — mostrou um
sorriso largo. — No entanto, para você continuar viva deverá aceitar a condição
de ficar sobre a minha tutoria.
— O que? Só isso?
— Só isso. Você ficaria sob a minha supervisão e da escola
de Jujutsu. Estamos nos responsabilizando por você.
— Satoru Gojo, certo? — perguntei. Ele anuiu com um sorriso
orgulhoso. — Por favor, quero que fale a verdade, seja sério na resposta da
pergunta que farei agora. Por quê? Por que está fazendo isso?
— Hum?
— Nada nesse mundo, eu digo nada mesmo, é de graça. Acha
mesmo que eu acreditaria que sua decisão não teria um preço? O que quer de mim?
Por que faria isso se não é problema seu? Não seria muito mais fácil apenas me
executar e voltar para o seu país perfeito?
Ele ficou sério e pensativo por um segundo, então disse:
— Apesar do receio que a escola de Jujutsu têm com o
descontrole de maldições aqui no Brasil, eu mesmo tenho minhas próprias razões.
Nossos países e nossas culturas são completamente diferentes. Mas existe uma
coisa em comum. — Ele descruzou as pernas e apoiou os cotovelos nas coxas quando
me encarou sério. — Homens velhos e folgados que lideram e querem privar as
pessoas de suas vidas, decidir por elas, apenas por temerem ou não saberem
lidar com situações que deveriam ser de sua responsabilidade. São covardes,
para eles tudo é mais fácil quando simplesmente eliminam o que incomoda ou
ordenam que outra pessoa faça o trabalho sujo para eles. Isso tudo me enoja.
São uns canalhas, laranjas podres. Eu gostaria de me livrar deles... Eu poderia...
simplesmente... matar todos eles! — ele disse isso muito sério e parecia
carregar raiva em suas palavras. — Mas, se eu fizesse isso, o que não seria nem
um pouquinho difícil para mim, logo outros como eles tomariam o lugar e nada
mudaria.
— E como pretende modificar o sistema se não for matando
todos os velhos que o controla?
— Eu quero modificar o mundo Jujutsu de dentro para fora.
Por isso, eu me tornei professor, apesar de que essa profissão não faça muito o
meu estilo.
— Muito nobre da sua parte, mas não pense que eu vou confiar
cegamente em você. Estou achando muito estranho alguém querer me ajudar depois
de tanto tempo. Ainda se intrometendo na diplomacia entre dois países.
— Quando você se tornar uma feiticeira, poderá passar o
ensinamento adiante. Logo, vocês, brasileiros, estarão aptos a se virarem
sozinho, assim não se tornarão um perigo para o mundo e para vocês mesmos.
Tudo aquilo foi como uma chuva de informação. Tanto o que
pensar e decidir em tão pouco tempo. Mas ele não aparentava pressa. Pelo
contrário, ele voltou para sua posição descontraída e confiante.
— Então, basicamente, tenho duas opções — eu disse enfim. — Uma
é ser executada agora pelo autointitulado feiticeiro mais forte — o que não
seria impossível, tendo em vista que ele derrotou Calamidade com apenas um golpe.
— A outra opção é me tornar aluna dessa escola de feiticeiros e talvez ser
executada de qualquer jeito? — claro que eu não confiaria que não houvesse algo
de errado naquela oferta.
— Moça esperta! Então, qual seria a sua opção?
Mostrei um sorriso sarcástico.
— O que você acha?
— Legal! — ele se levantou cheio de empolgação. — Essa é a
primeira sede da escola de Jujutsu da América Latina — ele abaixou na minha
frente e levantou um dedo. — E você será a minha primeira aluna daqui.
— Ah, que legal! — eu respondi em um tom sarcástico.
Como se eu tivesse realmente alguma escolha. Bom, de início pensei
em dar uma chance para o japonês albino de olhos tapados. Queria saber o que
ele tinha para me ensinar, já que ele se intitulou como o mais forte. Mas eu
tinha na cabeça que, caso eu percebesse que estava entrando em alguma enrascada,
daria um jeito de dar no pé e desaparecer mais uma vez.
— A partir de agora pode me chamar de sensei, que significa
professor em japonês — ele disse depois de me soltar.
— Eu sei o que essa palavra significa, eu assisti Naruto —
respondi quando me levantei massageando meus pulsos doloridos da amarração.
— Ah, antes que eu me esqueça! — Ele pegou o meu revólver no
bolso outra vez e o ofereceu para mim, com a coronha na minha direção. Foi um
gesto simples, mas difícil de acreditar, ele estava devolvendo a minha arma.
— Vamos, pegue. É o se instrumento de trabalho, não é?
Eu tentei matar aquele homem, atirei várias vezes e explodi
a fuça dele, qualquer outra pessoa não confiaria em mim. Pensaria que eu era
mesmo perigosa e que, no mínimo, deveria ficar trancafiada em uma jaula. Mas ele
simplesmente devolveu a arma. Não questionou a posse, o registro dela, o perigo
de eu continuar armada. Ele não me encheu de avisos e nem ameaças. Nada! Eu
peguei a arma perplexa e, devagar, a coloquei de volta no coldre.
Ele riu do meu espanto, colocou as mãos nos bolsos e caminhou
em direção a saída da sala. Deu as costas para mim sem nenhuma preocupação de
que fosse tentar fugir ou atirar nele outra vez. Ainda incrédula e sem saber
exatamente o que fazer, eu o segui.
— Isso vai ser muito divertido — ele tagarelava. — Vou
aproveitar e passear por São Paulo, quero conhecer a culinária brasileira.
Dizem que os doces daqui são muito doces, não vejo a hora de experimentar.
Tinha um homem do lado de fora a nossa espera, ele estava
parado próximo ao carro preto. Era o mesmo homem que o acompanhava quando eu o
vi pela primeira vez.
Por algum motivo, Alex visitou meu pensamento, mas foi um
instante. Influência daquele homem, não sei o porquê, talvez fosse pela forma
de se vestir ou de se portar.
Satoru Gojo parou em frente a ele e me esperou. Foi quando
eu saí do prédio que me dei conta de onde estávamos. Olhei para um lado, depois
para outro. Aqueles postes vermelhos que imitavam lanternas japonesas, era
impossível não reconhecer o bairro da Liberdade. Senti alívio por ainda estar em
um lugar que eu conhecia.
— Não posso esquecer de apresentar vocês — ele disse, depois olhou para o homem. — Esse é o Ijichi Kiyotaka — depois tirou a mão do bolso e apontou para mim. — Dandara Majo!
“O que?” pensei, mais uma vez espantada. “É só isso que ele tem a dizer?” senti meu rosto queimar quando meus olhos cruzaram com os olhos do homem. Comecei a entrar em pânico. “Como é o nome dele mesmo? Gojo disse muito rápido”.
O homem também pareceu incomodado com a situação. Então, resolvi tomar a iniciativa e me aproximei. Eu iria dar a minha mão para cumprimentá-lo, mas ele se endireitou a minha frente, juntou as mãos as laterais do corpo e fez uma mesura.
— Boa noite, senhorita Majo — ele disse. — Meu nome é Ijichi
Kiyotaka, sou secretário da escola de Jujutsu no Japão e fui enviado para
auxiliar Satoru Gojo no seu caso.
Fiquei um segundo sem saber o que fazer, então, um pouco
tímida, resolvi fazer o mesmo que ele, uma mesura.
— Muito obrigada, senhor ... — Eu não lembrava o nome.
— Kiyotaka — ele repetiu gentilmente.
— É um prazer conhecer o senhor — me alcei. — Desculpe
perguntar, mas com o “meu caso” o senhor quis dizer a minha execução?
— Huhh? Satoru Gojo é muito influente, ele conseguiu anular
sua sentença. Você só precisava aprovar.
“Então, o cara estranho com olhos enfaixados já tinha o
plano de ser o meu professor”, pensei.
—Senhorita? — disse o senhor Kiyotaka.
O jeito que ele me chamava também me lembrava o Alex.
Satoru Gojo nos esperava ao lado do carro, ele olhava em
volta sorridente com a empolgação de um turista. O senhor Kiyotaka ficava
ansioso quando estava próximo do Satoru Gojo, e, ao contrário dele, parecia não
demonstrar nenhum perigo. Os dois eram tão diferentes, eu não entendia como
poderiam estar juntos.
— Nós vamos levá-la a um hospital — disse Kiyotaka ficando
de lado como se mostrasse que eu deveria entrar no veículo. Gojo já tinha
entrado. Kiyotaka abriu a porta para que eu entrasse na parte de trás ao lado
de Satoru Gojo.
— Obrigada — sussurrei, tímida com o gesto de gentileza do
secretário.
Dentro do carro eu finalmente relaxei, apesar de ter aquele
homem sentado ao meu lado. Deitei a minha cabeça no encosto e fechei os olhos. Depois que o senhor Kiyotaka disse que eu seria levada ao hospital, todas as minhas dores
dispararam. Mas eu aguentei silenciosamente, apenas enxugava uma lágrima ou
outra. Precisava mesmo ir ao hospital, precisava de remédios e de curativos.
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